Estamos a estudar já algum tempo o
livro de Giorgio Agamben “O que resta de Auschwitz” , no qual ele esmiúça a
questão do testemunho. O que é o testemunho, sobre o que esse testemunho pode
falar, o que para ele é indisível, quais os lugares possíveis da fala de quem
se propõe a testemunhar, que caminhos pode o testemunho percorrer. Auschwitz,
parece ser o exemplo que demonstra um paradigma em que essa voz do testemunho
não pode afinal testemunhar, mas apenas “testemunhar sobre um testemunho que
falta", insistir na missão de lembrar
que de fato não podem falar os verdadeiros testemunhos. Da vivencia da
experiência nos campos, só quem poderia falar, seriam os mortos.
Desde esse pensamento e
associando-o a um exercício de
criação que a muito fazemos em nossas praticas e ensaios, o “exercício da
descrição”, algumas conexões tornaram-se possíveis. Nos aproximamos de um corpo
político, que fala sobre algo que experiência, porém nunca é capaz de abranger
a totalidade dessa experiência, mesmo servindo-se de muitos caminhos, de
diversas linguagens (fala, movimento, gesto, etc.) para alcançar seu objetivo,
ou pelo menos insistir em alcança-lo.
O corpo que aparece com a história
do testemunho e o “exercício da descrição”, é esse que se diz a si próprio e imprime uma história e uma visão
de ser do momento, que deixa um rastro de memória, que deixa no espaço e nos
outros e em si mesmo essa possibilidade de brincar com um testemunho que não
fala só do passado, mas que pode ser atemporal, na medida em que assume a transitoriedade
do que conta e percebe que o momento de contar é o que importa, não o que se
conta. Reconhecer esse compartilhar como uma ação que carrega em si mesma
muitas incógnitas, que depende de seus interlocutores e chama-os a um esforço
para tornar-se relação, para poder trabalhar o paradigma de se dizer o não
dizível, como algo que pode transitar camadas que se dizem a si mesmas e são
acompanhadas por escutas que não são só as que trabalham no ouvido interno. Um
corpo político porque se aproxima das formas mais categorizadas de entendimento
de si, reconhece-as e pode abrir-se a outras maneiras de entender-se no próprio
movimento de desentender-se. Um corpo que utiliza e se faz comunicação no ato
da fala (e da não-fala, essa “zona imprevista” onde emerge o testemunho), do
movimento, no contar uma história, em uma imagem. Que coloca em si próprio a
discussão das relações e não em um tema fora dele.
A proposta de trabalho que
apresentamos então segue essa direção. Nesse momento nos interessa imensamente
poder debruçar sobre esse material, questionando o sujeito que fala e que
mediante o paradigma do testemunho busca outros sentidos no dizer em ato. Esta
pesquisa teve seu começo em setembro de 2011 numa residência no Espaço AZALA na
Sierra Alabesa (ESP), agora damos continuidade a organização de estes materiais
en viés da criação de uma performance.
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